segunda-feira, 6 de julho de 2009

“Elogio da Loucura”


"Nada há de mais natural para a Loucura que soprar na trombeta da glória e entoar, em pessoa, os seus próprios louvores. Quem me descreveria com mais verdade, se ninguém me conhece melhor que eu próprio me conheço?"


A citação acima é do teólogo Erasmo de Rotterdam, em sua obra “Elogio da Loucura”.

Na faculdade de Jornalismo, eu tive aula, entre outras disciplinas, de Antropologia, Psicologia, Filosofia e Sociologia. Confesso que gosto bastate desses temas, por isso minhas notas sempre foram as mais altas da sala.

Esse texto de Rotterdam, em especial, foi explorado exaustivamente pelo professor Eulálio (um filósofo, diga-se de passagem, tão maluco quanto o próprio autor em questão). Em um viril e encantador ensaio sobre a Loucura, o teólogo realiza uma verdadeira jornada em favor da causa da “istultitia”, ou “moria”, ou tão simplesmente, a Loucura. Escrita a peça em uma viagem que Erasmo realizara entre a Itália e Inglaterra, nos momentos de descanso e relativa descontração, legou-a a seu amigo, o filósofo inglês Thomas Morus (segundo Erasmo, Morus equivale a “moria”, que é “loucura”, em latim).

Erasmo buscou realizar uma obra essencialmente descontraída e irreverente, não denotando o caráter sério dos seus contemporâneos filósofos e teólogos, que costumavam, no século XVI, escrever compêndios e peças literárias ou técnicas extremamente rebuscadas e rígidas. A erudição e vasta cultura do escritor e ensaísta roterdaniano é notável, e ultrapassa inclusive em brilho as possibilidades de muitos contemporâneos seus em tamanha capacidade figurativa, argumentativa e literária – talvez, por tais circunstâncias, o Elogio da Loucura nos tenha sido legado à posteridade com tamanha aprovação – em face da vigorosa habilidade de Erasmo em realizar uma obra de tal porte.

No ensaio, a Loucura perfaz um verdadeiro monólogo. Personificada, é a Loucura quem fala. Descreve-se a todos os momentos, ressaltando suas “qualidades” e fazendo uma verdadeira incursão histórica naquilo que, na linha do discurso construído, seriam fenômenos históricos provocados, manuseados e finalizados tão somente por ela, a Loucura.

Em cortantes e extravagantes imagens e simbolismos, a Loucura discursa e dá ao leitor da obra um verdadeiro passeio à mitologia grega, ao classicismo helênico e a muitos episódios do mundo antigo que, por razões literárias, têm marcado fortemente o modo de pensar a literatura e a própria cadeia moral, de condutas, de toda uma sociedade. Para a Loucura, a sabedoria é um fenômeno pejorativo, pois cansa, gera sofrimentos e amadurece o indivíduo de forma anormal. Sendo assim, a Loucura faz apelos incessantes ao homem para que este faça sua definitiva preferência à liberdade, ao prazer, à flexibilidade, à fuga dos valores tradicionais impostos por um sistema moral religiosamente rígido e complicado.

O contexto histórico de Erasmo certamente engendrou e contextualizou o Elogio da Loucura. Pouco após este ensaio, a Europa viveria a Reforma Protestante, e muitos valores tradicionais do dogmatismo religioso predominante viriam a ruir – o próprio Erasmo foi um dos precursores intelectuais desses movimentos de reforma, que culminariam em mudanças em toda estrutura de crenças e de condutas de uma sociedade, por séculos, e que se arrasta até hoje.

O Elogio da Loucura é um forte apelo à emotividade esquecida no classicismo greco-romano, um enaltecimento corajoso à libertação dos indivíduos de uma possível “opressão da razão” sobre os instintos mais naturais, uma visão romântica da Loucura em sua expressão mais jovial, como uma verdadeira deusa grega que impulsiona os indivíduos à suportabilidade da vida, ao ímpeto saudável as atitudes, à grande compaixão sobre a natureza humana.

Os contornos do ensaísta são obviamente humanistas, e o renascimento ganha contornos literários indeléveis nessa obra que é, sem sombra de dúvidas, um marco da literatura e da filosofia.


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