segunda-feira, 15 de março de 2010

Arte ou arte?


Intervenção feita por Eduardo Srur em uma das vacas da Cow Parade que estão espalhadas por SP

Mais uma vez o artista plástico Eduardo Srur surpreende os paulistanos com sua forma irreverente de manifesto. Na manha desta segunda-feira (13/03), o artista colocou dois touros em cima de duas vacas da CowParade, evento importado da Suíça que espalha dezenas de animais coloridos de resina pela cidade de São Paulo.

A intervenção não autorizada durou pouco. Lá pelas 10h, os touros foram retirados pelos organizadores da parada. "Fomos avisados e mandamos retirar [os touros], mas não danificaram as vacas, está tudo bem", disse a assessora de imprensa do evento.

Sempre irreverente e de forma bem humorada, Srur promove há alguns anos em São Paulo a discussão sobre o que é arte pública. O alvo desta vez foi a CowParade por ser "o maior e mais bem sucedido evento de arte pública no mundo".

Na semana passada, cerca de 20 vacas tiveram que mudar de lugar por fazerem alusão direta a marcas patrocinadoras --saíram das ruas e foram para dentro de lojas. A CowParade já passou por dezenas de cidades do mundo e acontece pela segunda vez em SP, depois de ter passado por Rio, Belo Horizonte e Curitiba.

"A escultura do touro remete ao touro Bandido, aquele que nunca foi domado em rodeios, personagem de novela, lenda nacional", disse Srur à Folha de S. Paulo, que acompanhou a instalação dos dois animais na madrugada de domingo para segunda. "Não consigo ver relação entre uma vaca importada da Suíça e o nosso país. É um objeto estéril, e o touro vem para fazer uma inseminação cultural, gerar uma discussão."

Os dois touros foram feitos pelo escultor Heitor Morrone, 29, com ajuda de outras três pessoas, em dez dias. Ele e um assistente, usando chapéus de caubói, instalaram os touros e os prenderam com um cabo de aço ao redor da barriga da vaca. Vídeos e fotos serão publicados no site de Srur.

Vaca da CowParade na esquina da avenida Paulista com a rua Augusta

Na Madrugada

A ação começou por volta da 1h, na esquina da av. Brigadeiro Faria Lima com av. Cidade Jardim, numa vaca pintada com onças e jacarés, instalada num posto de gasolina, principal patrocinador da CowParade. Participaram oito pessoas, incluindo um cinegrafista e dois motoristas de caminhão, que transportaram os "animais".

Uma unidade móvel da Polícia Militar e um carro da CET estavam estacionados do outro lado da av. Faria Lima e não intervieram no trabalho. Um policial chegou a se aproximar, riu e foi embora.

"O pessoal passa muito aqui para tirar foto, mas agora acho que não vão tirar mais foto dessa aí", disse João Adolfo de Oliveira, 48, segurança de uma banca de jornal na av. Paulista, esquina com a r. Augusta, onde foi feita a segunda intervenção.

Cada patrocinador paga ao evento cerca de R$ 40 mil por vaca e chama convidados para pintá-las. O site da CowParade informa que, na primeira edição, em 2005, foram levantados R$ 4 milhões em patrocínio e R$ 1,2 milhão para instituições carentes via leilão das vacas, cada uma por um preço mínimo de R$ 5 mil.

Neste ano, o evento custou cerca de R$ 2 milhões, e as quase 80 vacas ficarão "pastando" por São Paulo até o próximo domingo.

A artista Fernanda Eva, que assina a vaca verde da av. Brigadeiro Faria Lima, recebeu R$ 1.000 para fazer o trabalho. Ela ficou chateada com a intervenção de Srur. "É uma apropriação de mau gosto, me entristece que ele não consiga reconhecer uma obra de arte", disse Fernanda à Folha. Ela afirmou ter passado um mês pintando a vaca. "E ele conseguiu danificar a obra, tem umas colas grudadas, arrancou a pintura." Apesar disso, a assessora de imprensa afirmou que as vacas não foram danificadas.

A CowParade

Não é de hoje que a CowParade gera polêmica. O evento começou em 1998 em Zurique, Suíça, país que tem a vaca como símbolo, e se espalhou pelo mundo. Em 2004, em Estocolmo, artistas "sequestraram" um dos animais e ameaçaram "decapitá-lo" caso os participantes não assinassem uma carta declarando que a CowParade não era um evento de arte. No final, a vaca foi feita em pedacinhos e mandada de volta dentro de um saco.

Âncora

Esta é a primeira intervenção urbana não autorizada de Eduardo Srur desde 2004, quando o artista paulistano colocou uma âncora no barco do Monumento às Bandeiras e fez um vídeo no qual aparece explodindo bolsas de tinta em outdoores da cidade.

Mais recentemente ele fez trabalhos autorizados, como as esculturas de garrafas gigantescas nas margens do rio Tietê, em 2008 e os caiaques no rio Pinheiros, em 2006. Ou coletes salva-vidas em monumentos públicos da cidade, também em 2006.

Um de seus trabalhos mais conhecidos é "Acampamento dos Anjos", feito com barracas de camping iluminadas, que ficaram na fachada do esqueleto de um prédio abandonado havia dez anos, na avenida Dr. Arnaldo.


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