quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Adrià, um alquimista na cozinha

Personagem curioso, um misto de Peter Pan e alquimista, o catalão Ferran Adrià, 47 anos, é o cozinheiro mais badalado do momento. Suas criações no restaurante El Bulli, no litoral da Catalunha, são uma festa de cores e leveza.

No raiar dos anos 90, no pujante mundo da alta gastronomia, era praticamente um consenso que a Nouvelle Cuisine tivesse esgotado qualquer possibilidade de uma outra grande revolução nos fogões e que seus princípios norteariam a cozinha do futuro. Também era quase inquestionável que a França se mantinha senhora absoluta dessa arte e seguiria exportando-a para o resto do planeta sem que nenhuma outra nação lhe fizesse sombra. Nada indicava qualquer sinal de mudança no horizonte, até que surgiu Ferran Adrià.

Nascido em 14 de maio de 1962, em Hospitalet de Liobregat, cidadezinha dos arredores de Barcelona, na Espanha, o chef catalão Ferran Adrià Acosta é um autodidata sem tradição familiar no ramo, que, muito mais por acaso que por vocação, aos dezoito anos de idade, para ganhar um dinheiro extra nas férias, começou a trabalhar na cozinha lavando pratos.

Em pouco mais de vinte anos de carreira, ele se tornou um mito, com um séqüito de admiradores e seguidores espalhados pelo mundo todo. Seus livros tornaram-se best-sellers.

Mais que a uma cozinha de base mediterrânea e concepções futuristas, Adrià gerou uma nova cultura gastronômica baseada no produto, no trabalho e na técnica. Para a revista Time americana, ele revolucionará a cozinha do século 21; a revista Business Week o incluiu entre os 50 líderes das grandes mudanças na Europa no século passado; Paul Bocuse declara aos quatro ventos que com Adrià se inicia algo verdadeiramente novo; o grande Jöel Robuchon o considera seu herdeiro natural.

Gênio, mago, surpreendente, instigante, inovador, polêmico. Algum desses adjetivos, quando não todos, sempre surgem quando o tema é Ferran Adrià, o chef que vem virando a culinária de cabeça para baixo com sua cozinha totalmente fora dos padrões conhecidos, batizada de "desconstruída", ou da "desconstrução."

Nela, cores, aromas, texturas e sons jogam continuamente com a imaginação. O impacto visual é forte. A cada minuto um matiz diferente se apresenta. O degustar tem ritmo e provoca sensações indescritíveis. Tudo é inusitado - os coquetéis têm diversas temperaturas e texturas, as sopas são sólidas; os ravioles explodem na boca provocando uma sensação líquida; pratos complexos como a paella são sintetizados num único grão que você come e sente o exato gosto de uma paella; as gelatinas são quentes. o sorvete é salgado... Cada um dos canapés, entradas, pratos e sobremesas que integram o menu degustação de Ferran Adrià constitui uma provocação para os sentidos.

Acreditando que ser criativo é não copiar nada, ele se fez célebre pensando no que ninguém havia pensado antes. Para conseguir uma mousse que conservasse todo o sabor natural de seu ingrediente principal e, ao mesmo tempo, tivesse uma perfeita e etérea ligeireza, usou o sifão, aquele de fazer chantilly, e, substituindo os ovos e o creme de leite por gelatina, deu vida a delicadas espumas. Transformou o foie gras numa textura suave e borbulhante, assim como a água do mar, o queijo parmesão ou qualquer fruta de época que cruzasse por seu laboratório. Mas esta é apenas uma das inovações do chef cuja imaginação e ousadia parecem não ter fim. A cada temporada, Adrià surpreende o universo gastronômico oferecendo um novo espetáculo sem paralelo na história da cozinha.

Seu restaurante, o El Bulli, tem sido palco de experiências gastronômicas transcendentais que atraem gourmets de todo o mundo a Cala Montjoi, uma pequena enseada da Costa Brava espanhola, nas imediações da cidade de Roses, a 170 Km de Barcelona. Detentor, desde 1997, das cobiçadas 3 estrelas do Guide Michelin (Adrià foi o mais jovem chef de cozinha a conquistar essa láurea) e consagrado nos principais guias gastronômicos do mundo, o El Bulli funciona seis meses por ano (de 28 de março a 30 de setembro) com 58 pessoas trabalhando para atender, a cada noite, apenas a 50 comensais que, em geral, fizeram suas reservas com um ano de antecedência.

Aquele que consegue uma mesa no El Bulli sabe que tomará parte de um ritual incomum, totalmente calculado para promover um resultado inesquecível. Não há menu e é Adrià quem decide as iguarias, de 20 a 30 em média, que irão compor o menu degustação de cada noite. Determina, também, como deverão ser degustadas - num só bocado, ou em dois, acompanhado desse ou daquele vinho e, até, em que momento beber um gole. Todos se entregam sem discutir às orientações dos garçons e ninguém se arrepende. Dizem que "é inútil tentar ser o mesmo depois de se ter comido no El Bulli".

A cozinha do restaurante, toda em aço, mais se parece com uma estação espacial. Sua iluminação especial deixa em evidência a equipe de 30 profissionais - chefs, sous-chefs e ajudantes que, num silêncio quase solene e absoluta tranquilidade, vão e vem pelo recinto, elaborando delícias surpreendentes.

Ele diz que "sua cozinha tem forte inspiração catalã e é uma evolução moderna da culinária mediterrânea, com diferentes associações de seus ingredientes e técnicas de preparo. Que seu estilo é resultado de uma investigação constante, produtos da estação de altíssima qualidade e uma técnica impecável". Lembra que "embora a culinária tenha algo de magia, exige grandes doses de trabalho e que as receitas magistrais não surgem por arte de nenhum abracadabra".

Durante os seis meses em que seu restaurante fica fechado, Adrià se entrega à pesquisa do próximo cardápio do El Bulli, seja em viagens, seja em seu laboratório em Barcelona, instalado num antigo palacete do século 19 totalmente reformado. Lá, com seu irmão Alberto, o responsável pelas sobremesas do restaurante - tão insólitas quanto os pratos, e com uma equipe de mais de uma dezena de profissionais, trabalha exaustivamente para que suas invenções tomem corpo.

Ferran Adrià é um trabalhador incansável e. embora prefira a reclusão da cozinha, tem sido cada vez mais assediado. São inúmeras entrevistas, concursos, homenagens, prêmios. Viaja pelo mundo, sob os auspícios do Instituto Espanhol de Comércio Exterior para, através de sua arte culinária, difundir a cultura espanhola e seus produtos. Para ele, "não há azeite de oliva, presunto ou vinho melhores que os da Espanha". Tem, também, prestado assessoria para diversas empresas, entre elas, o Hotel Hacienda Benazuza, Casino de Madrid, Kaiku, Cerâmicas Montgatina, e a catalã Borges, para a qual o chef desenvolveu uma linha de 10 azeites aromáticos que pode ser encontrada no Brasil.

Seu mais novo projeto, desenvolvido junto à cadeia NH Hotéis, é o conceito "Nhube", que incorpora aos hotéis aquilo que mais gostamos de encontrar quando chegamos em casa: um espaço multifuncional onde se pode conversar, ver televisão, navegar pela Internet, colocar e escutar uma música e, também, comer , beber e relaxar. A ideia é reunir, num único espaço, o salão social, o bar, a cafeteria, o restaurante, a biblioteca. Tudo isso envolto numa atmosfera flexível, onde o espaço e a iluminação se transformam segundo os diferentes momentos e necessidades do dia. Os primeiros "Nhubes" já estão funcionando em Bilbao e Madri e o Brasil está nos planos do grupo também.

Mas que ninguém imagine que Ferran Adrià seja um homem obcecado pelo trabalho, ele é, sim, um apaixonado pela cozinha que busca ter e dar prazer com seu trabalho. E consegue.

Pode-se partilhar ou não de seus critérios, seu estilo e sua maneira de entender a comida, mas ninguém pode negar que Ferran Adrià desenvolveu infinitamente a imaginação, contribuindo para desinibir mentes e paladares. Ao mesmo tempo, fulminou todos os conceitos e técnicas em uso e desestruturou os valores eternos dos gourmets clássicos. Adrià fez em pedaços a história dos fogões para contar-nos uma versão nova, pessoal, intransferível e única. (Fonte Grande Chefs do Mundo)


EL BULLI

Cala Montjoi, a 6 km de Roses (Girona)
Fone:34 972 150 457
Preço: média de US$ 100
www.elbulli.com


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