sexta-feira, 3 de julho de 2009

"Escrever é uma chatice"- Chico Buarque na Flip


Ao contrário de mim e de muita gente, o maravilhoso compositor confessou hoje na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) que prefere ser leitor do que escritor. Difícil de acreditar que ele realmente pense assim, com tantas obras magníficas publicadas.

Na mesa mais aguardada da Flip deste ano, Chico Buarque e Milton Hatoum aproveitaram as semelhanças entre suas carreiras literárias e os traços em comum em seus mais recentes livros para dar ao público em Paraty um debate bem amarrado sobre lembrança, a tarefa de criar e a necessidade de ir a campo para escrever.

O mediador Samuel Titan Jr. lembrou que tanto Chico quanto o amazonense Hatoum têm quatro livros publicados e fizeram uma viagem memorial por cenários brasileiros nos seus recentes “Leite derramado” e “Órfãos do Eldorado”, respectivamente.

Os desafios no momento de colocar as ideias no papel também foram um dos focos da conversa entre os dois. Chico surpreendeu ao dizer que não sente tanto prazer no ato da escrita. "Eu escrevo muito devagar. Escrever é uma chatice. Gosto mais de ler do que de escrever", disse ele, que tem como protagonista de sua última obra um homem centenário cujas memórias fazem um retorno que atinge até a época da abolição da escravatura e da proclamação da República.

Ao colocar a leitura acima do ato de escrever, Chico Buarque revelou um de seus hábitos que ajudam na condução da trama a ser criada. "Todo dia, antes de começar a escrever, eu lia o meu livro desde o começo, de maneira que ele ficava todo na minha mão."
Hatoum, festejado escritor que explora o cotidiano e as histórias da região amazônica - como ele mesmo diz - de maneira universal, relatou justamente esse desafio na composição de seu "Órfãos do Eldorado".

"Eu queria que o mito se transformasse numa narrativa de ficção. O desafio foi transformar o relato mítico numa narrativa realista", afirmou Hatoum.

Quanto a necessidade de pesquisa para compor o cenário de seus livros, Chico Buarque lembrou alguns lugares do Amazonas que aparecem na obra de Hatoum e emendou com um comentário algo saudosista sobre o mundo pré-internet: "a imaginação já não existe mais, agora tudo está no Google".

Em um momento mais entusiasmado sobre o presente, o cantor e escritor saudou o escritor de quadrinhos Lourenço Mutarelli, elogiando seu primeiro romance. "Quando li 'O cheiro do ralo' eu pensei: isso aqui é muito novo, isso é muito bom. Só podia ser um livro escrito por um quadrinista. É muito bom que ele tenha trazido isso para a literatura.", afirmou Chico.

E ainda provocou o mundo da literatura brasileira por reclamar da concepção de que a música popular é uma espécie de prima pobre dos livros. "Eu não concordo. Não sei se Guimarães Rosa é mais importante do que João Gilberto. Não sei."

A plateia - que não reagiu ao comentário literatura x música popular - não manifestou a histeria normalmente vista em seus shows. Sem gritinhos - ou no máximo suspiros contidos - o Chico Buarque escritor foi deixado em paz.
Fonte: Globo.com

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