Christopher Nolan é hoje a melhor prova de que existe vida inteligente em Hollywood. Mais do que David Lynch em Império dos Sonhos, ele investiga o universo da mente em A Origem. O filme é sobre um ladrão de sonhos contratado para plantar uma ideia no inconsciente de um homem. Só nesse conceito já está impressa uma reflexão sobre o que é o cinema. Não se trata de construir sonhos, de plantar ideias no imaginário do espectador?
Cinéfilo de carteirinha lembra-se da cena de Cavaleiro das Trevas em que Batman e o Curinga ficam invertidos, mas Nolan filma de um jeito como se estivessem frente a frente, naquele andaime. O diretor já vinha invertendo códigos desde Amnésia, onde contou sua história de trás para a frente, e Insônia, onde transformou em pura luz a natureza sombria do filme noir. Batman e o Curinga invertidos podiam ser figuras emprestadas às pesquisas visuais de M.C. Escher. O artista voltas agora na arquitetura dos sonhos de A Origem. Para roubar uma ideia é preciso fazer uma pessoa sonhar com ela. O sonho tem de ser cuidadosamente planejado e executado. Exige um arquiteto e um conjunto de profissionais para colocar o processo em marcha.
Grupal. Roubar sonhos não é uma atividade solitária, mas de grupo. Leonardo DiCaprio pode ser o chamariz de elenco de A Origem, mas a dramaturgia do filme refere-se ao grupo. Os sonhos de DiCaprio têm até uma mulher fatal, interpretada por Marion Cotillard. Ela morreu, mas vive invadindo os sonhos do ex-marido. Ele quer manter os momentos que tiveram no passado, mas Marion transforma-se num vírus perigoso, que o impede de reencontrar os filhos. A Origem é, no limite, uma ficção científica, mas, como diz Nolan, o que importa não é a ciência, mas o humano. Compare com James Cameron e a imensa revolução tecnológica de Avatar. A Origem tem 400 planos digitalizados contra os cerca de 2 mil que Nolan afirma serem normais numa produção deste porte.
A técnica é importante, mas as ideias são mais. O desafio de Nolan é radicalizar o conceito de cinema de autor no blockbuster. Você já viu esses conflitos de tempo e espaço em obras de Alain Resnais, por exemplo, mas o que Nolan propõe é outra coisa. Ele mistura os códigos de um cinema feito para o grande público a histórias mais difíceis e até inacessíveis. É o cinema do futuro, que já chegou - popularização da alta cultura. Seu arauto foi Peter Jackson, na trilogia O Senhor dos Anéis, que adaptou da saga erudita de JRR Tolkien. Nolan tem como faróis diretores como Stanley Kubrick, Terrence Malick, Nicolas Roeg, Ridley Scott. E Orson Welles, autor do maior noir já feito - A Marca da Maldade.
Interessa-lhe Escher, mais do que Matrix, cujos personagens também dormem, ligados a computadores, à espera do Escolhido. Não existe escolhido em A Origem, assim como já havia, embutida, uma crítica ao super-herói em O Cavaleiro das Trevas. A ‘inception’ é o McGuffin da trama, recurso hitchcockiano que desencadeia o relato e, a rigor, não significa nada. O tema é a busca da felicidade. Como o velho protagonista de O Mensageiro do Amor, de Joseph Losey, DiCaprio precisa se libertar da influência da flor mortal representada por Marion, mas permanece uma dúvida, um twist final. O desfecho é real ou sonhado? A Origem é rico em referências e subtextos. Você não precisa deles para viajar na poderosa carga emocional deste novo marco do cinemão de autor.
A Origem - Original: Inception. Direção: Christopher Nolan. Gênero: Ação ( 148 min.)Censura: 14 anos. Cotação: Excelente
Fonte: Estadão
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