O QUE LEVA UMA MULHER A VIVER UMA PAIXÃO BANDIDA? AMOR, PODER?
É cada vez mais frequente o número de meninas e mulheres de classe média que abandonam tudo, sobem o morro e vão viver com bandidos. Apaixonam-se por eles e abdicam de tudo o que possuíam em casa, buscando aventura e felicidade nos braços de gente envolvida com o crime. Algumas vão além e passam a fazer parte do bando, participando do tráfico de drogas ou servindo de fachada para as ações do grupo, fornecendo até nome e os dados bancários para negócios no asfalto. Mas quais são os verdadeiros motivos que as fazem agir dessa maneira? Será amor mesmo ou apenas uma forma de preencher as lacunas emocionais e materiais? Três especialistas falam sobre as motivações dessas mulheres e o que amigos e familiares precisam fazer para evitar consequências mais trágica.
Motivos diversos Todas as vezes que nos apaixonamos, estamos buscando alguém que corresponda às nossas expectativas. Algumas mulheres buscam alguém com quem se identificam, ou seja, que tenha os mesmos gostos e o mesmo estilo de vida. Outras buscam no homem algo que desejam ou valorizam, como beleza, poder e status. Porém, essas preferências costumam ser inconscientes. Não nos damos conta delas, vamos em busca daquilo que nos agrada. Porém, o que leva certas mulheres a buscar o risco ao invés do conforto em um relacionamento? “O fato de algumas se apaixonarem por bandidos é, em grande parte, movido pelo glamour que eles têm, representado por um poder que desafia as regras e as leis. Trata-se de homens fortes e corajosos, que não se submetem a nada e criam as próprias regras. Esses atributos estão culturalmente relacionados a uma imagem de masculinidade e virilidade”, explica a psicanalista Priscila Faria Gaspar. A pseudoliberalidade que o bandido possui, com o poder nas mãos – por meio de armas de fogo, as decisões que toma, o dinheiro fácil e a posição de decidir a vida das pessoas, por exemplo – leva uma mulher frágil a buscar nesse "herói" não só proteção, mas uma fonte de entusiasmo em sua vida. É o que afirma a psiquiatra Beth Valentim. "Normalmente são mulheres que não têm suas emoções estabilizadas, que precisam também viver no risco, nos desafios, para se sentirem vivas. Isso elas não conseguem sozinhas. O bandido é atraente porque dá as ordens, cria estratégias, fala duramente com sua trupe e carinhosamente com quem precisa dele na comunidade. É aquele que atravessa o fio que liga a fantasia à realidade, que domina o que quer, a qualquer preço", descreve. Mas não é só isso. A psicóloga e psicoterapeuta Olga Tessari acredita que, nesses casos, o amor é mesmo cego. Segundo ela, as mulheres que se apaixonam por criminosos o fazem justamente porque enxergam neles a pessoa que está por trás do bandido. "Muitas vezes, elas iludem a si mesmas, considerando que eles têm razão naquilo que fazem ou mesmo que suas histórias de vida colaboraram para que eles se tornassem bandidos, embora no fundo sejam boas pessoas", analisa.
Em busca de liberdade Rebeldia, tédio, carência. Todos esses fatores podem colaborar para o surgimento de um amor bandido. De qualquer forma, eles apontam para uma única causa: a falta de estrutura familiar. Falta de diálogo, carinho, limites ou mesmo maus tratos e muita repressão dentro de casa podem servir de ponto de partida para uma fuga rumo a esse tipo de amor. E o desejo de transgredir, nessas horas, fala mais alto. Na adolescência, que é quando acontece a maioria desses casos, há o processo de individualização – a necessidade de romper com os padrões do mundo adulto. Então, aliada ao desejo de transgressão, começa a busca por autonomia, de sair do domínio dos pais. "O bandido, desta forma, exerce um fascínio e se torna objeto de desejo, pois simboliza a ruptura com as leis e os valores transmitidos em casa. Ele também é visto como suposto caminho para a autonomia, o que não é verdade, pois muitas jovens acabam se submetendo a eles e enfrentando uma nova forma de dependência", salienta Priscila Gaspar. A falta de autoestima também influencia esse tipo de escolha. Grande parte dessas mulheres se acha menosprezada pelos pais e amigos, enquanto outra parte realmente sofreu rejeição ou violência dentro de casa. "Então, elas sobem o morro a fim de obter o que tanto procuraram durante a vida: liberdade, estabilidade, respeito e carinho – coisas que, muitas vezes, se traduzem em dinheiro, joias e outros bens materiais. Essas mulheres passam a ter entrada livre em qualquer lugar da comunidade, principalmente quando se envolvem com os ‘chefes’. Depois que ganham esse status, não podem ser incomodadas e nem sofrer nenhum transtorno, ao contrário do que acontecia em sua própria casa", diz Beth Valentim. Segundo ela, uma mulher que necessita de tantos mimos para preencher seus buracos afetivos encontra nesse homem o que procurava desde a infância: alguém que a proteja e tome conta dela.
Ilusão Ao contrário do que se pensa, amor bandido não é uma especialidade de mulheres jovens. Ele pode acontecer em qualquer idade. No caso de mulheres mais velhas, existe a questão da maturidade emocional. São elas que se empolgam com um outro tipo de paixão criminosa: encantam-se por presidiários ou assassinos confessos, geralmente aqueles que ficaram conhecidos por seus atos. Acompanham suas histórias pela mídia, escrevem cartas e desejam iniciar um relacionamento com eles. Basta lembrar do caso da mulher que se apaixonou pelo Maníaco do Parque e o pediu em casamento. Há, também, as mulheres que iniciam relacionamentos com criminosos – alguns deles famosos - já em liberdade. O processo, segundo as especialistas, é parecido com as paixões platônicas da adolescência. Quando veem um bandido na TV, percebem que ele resolveria todos os seus anseios para se sentirem mais estabilizadas. Criam uma imagem positiva a partir do pouco que sabem deles e projetam neles seus desejos, enxergando apenas o que querem ver e não a realidade.
O Mito da Salvação Outro motor para esse tipo de atitude é o desejo de mudar o parceiro. Para essas mulheres, é possível libertá-lo de qualquer crime que ele tenha cometido e transformá-lo em um homem de bem. "Existe um mito muito forte, presente em certas mulheres, que é o Mito da Salvação. Elas acreditam, às vezes de forma inconsciente, que têm o poder de transformar e salvar o homem, como se o amor pudesse modificá-lo. Elas acreditam que eles são maus porque nunca foram realmente amados", ressalta Priscila Gaspar. A psicanalista diz que isso ocorre com frequência em mulheres que sofreram rejeição ou maus tratos por parte do pai durante a infância. Então, crescem com a ilusão de que um dia irão "consertar" o pai, agora simbolizado pelo parceiro. A diferença é que, no caso dos detentos, por exemplo, em função do isolamento e da carência, muitas vezes esses homens acabam por se apegar a elas, formando um vínculo muito forte. Olga Tessari chama a atenção para o fato de esse comportamento também se repetir em mulheres que se envolvem com alcoólatras e drogados. "Com o desejo de querer mudar o homem, elas se apoiam no ditado que diz que ´quando casar sara´. É por isso que acabam buscando esse tipo de relacionamento: querem ser as salvadoras", declara.
Agindo cegamente A opção pelo amor bandido, segundo Beth Valentim, vem acompanhada de uma grande ansiedade. "A pessoa precisa estar ocupada por sentimentos que provoquem tensão e, ao mesmo tempo, uma sensação enganosa de que resolveu seus medos. Na verdade, ao enveredar por esse caminho, a mulher está arrumando mais um problema para si", observa. Mas será que quem faz essa escolha tem noção do que está por vir? As especialistas dizem que isso nem sempre acontece. A culpa, claro, é da paixão. "Muitas vezes a pessoa age tão cegamente em função desse sentimento que não consegue perceber com quem está se envolvendo, nem perceber as conseqüências", diz Priscila Gaspar.
O que fazer Muitas famílias só percebem o envolvimento dessas mulheres com o crime depois que algo mais sério aconteceu – seja um desaparecimento, uma prisão, um crime ou uma morte. No entanto, para aqueles que conseguem perceber essa mudança de comportamento a tempo, a recomendação principal é o diálogo. E, nessa missão, amigos e familiares devem se unir para oferecer apoio à mulher – independentemente da idade que ela tenha. "Nada de simplesmente criticar, mas mostrar as consequências da escolha que ela fez, deixando claro que não concordam com essa escolha, mas respeitam essa decisão. O que não se pode é proteger essa pessoa. Ela deve ser responsável pela escolha que fez", recomenda Olga Tessari. Priscila Gaspar defende que uma educação pautada no afeto e na comunicação, estabelecendo valores e limites desde o início, pode atuar preventivamente, já que leva à formação de jovens mais maduros emocionalmente e mais capazes de agir com sensatez. No entanto, uma vez que o fato já tenha ocorrido, é necessário resgatar os vínculos familiares. Para isso, ela indica a terapia de família. "É bom lembrar que, em geral, bater de frente com a garota, proibindo ou tomando atitudes muito repressoras, pode empurrá-la ainda mais para a ilusão de liberdade que ela encontra junto ao crime. Porém, há casos em que é necessária uma reprimenda severa, um `chacoalhão` para ela acordar. Cada caso é um caso e a orientação profissional deve ser buscada sempre que os pais sentirem necessidade. Esperar que a situação se resolva por si pode levar a um agravamento do problema, tendo consequências trágicas", alerta. (Fonte: Bolsa de Mulher)
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