Alguns dos melhores cérebros da ciência têm se dedicado a estudar a inteligência humana. Suas pesquisas giram em torno das origens de nossa capacidade mental e de aproveitar esse potencial.
Algumas descobertas indicam que a capacidade mental depende muito das condições sociais e pode ser aprimorada com educação e, talvez, com exercícios. Só não espere nenhuma droga miraculosa para aumentar o poder do cérebro. O que dizem as investigações mais recentes:
1. O que é inteligência?A questão é debatida desde 1904, quando o psicólogo inglês Charles Spearman, (1863-1945) se propôs a medir a inteligência. Ele demonstrou, por um método estatístico, que existem correlações entre os resultados de diferentes testes mentais feitos pela mesma pessoa. Essa relação poderia ser atribuída à capacidade mental dela. Em 1905, Alfred Binet desenvolveu um teste para medir esse fator que, depois de muitas modificações, resultou nos testes do quociente de inteligência (QI). Cem anos mais tarde, o fator g ainda traz muito assunto a ser discutido.
Certos pesquisadores fazem uma distinção entre tipos de inteligência. O psicólogo americano Robert Sternberg estabeleceu, empiricamente, a existência de três formas de inteligência que todos nós expressamos de forma mais ou menos pronunciada: a analítica (escolar), a criativa (capacidade de se adaptar à novidade), e a prática (capacidade de aplicar seus conhecimentos). O mais famoso defensor de várias inteligências é o psicólogo americano Howard Gardner.
2. A inteligência é inata ou adquirida?“Se a hereditariedade define os limites da inteligência, o meio determina a abrangência desses limites.” Esta é a conclusão de Erik Turkheimer, professor de psicologia da universidade de Virginia, mundialmente reconhecido por suas pesquisas sobre a inteligência de gêmeos. Os primeiros estudos, conduzidos nos anos 90, mostraram que os resultados de QI obtidos por gêmeos verdadeiros, do mesmo genótipo, eram mais similares do que os dos gêmeos com DNA diferente. Isso confirmou a origem genética da inteligência.
Foi então que Erik Turkheimer pesquisou dados de 60 mil crianças, acompanhadas desde o seu nascimento até os oito anos de idade, grande parte de minorias étnicas e de famílias pobres. O QI deles foi medido aos sete anos. O resultado foi que, se o QI de gêmeos com pais abastados pode ser atribuído à genética, entre as famílias mais pobres, o quociente de gêmeos idênticos variava tanto como se fossem falsos gêmeos. Conclusão de Turkheimer: “Em um meio difícil, o potencial genético das crianças não tem oportunidade de se expressar plenamente. As famílias abonadas, por sua vez, podem dar o estímulo mental necessário aos genes para que construam o circuito cerebral da inteligência.” Isto significa que o dinheiro faz um bom lar? Não, responde o autor. “Ma é um fator importante que permite aos pais dedicar tempo e energia, e dispor de meios para estimular as crianças mentalmente.”
De acordo com a noção da inteligência herdada, outros estudos mostraram que o QI de crianças adotadas está mais próximo ao dos pais biológicos. No entanto, mais uma vez os pesquisadores, dentre os quais Michel Duyme, da Universidade de Montpellier, na França, revelaram parcialidade. As famílias pobres raras vezes estão em condições de adotar, assim, as investigações se concentraram apenas em famílias adotivas abastadas. Duyme tem compilado os dados de milhares de adoções na França e novamente o meio desempenhou o seu papel perturbador. As crianças de famílias abastadas passadas para famílias igualmente abonadas apresentaram um QI de 119,6 em média. Mas quando eram adotadas por famílias modestas, o QI médio caiu 12 pontos. E vice-versa. As crianças de famílias modestas acolhidas por uma família das mesmas condições apresentaram um QI de 92,4, enquanto que aquelas colocadas em uma família abastada o QI obtido se elevou para 103,6.
3. O QI de crianças carentes pode ser melhorado?Sim. Se o ambiente é tão importante para o desabrochar dos potenciais genéticos da criança, então um enriquecimento de seu meio pode ajudá-la a melhorar. Craig T. Ramey, da Universidade de Georgetown, em Washington, apresentou os resultados de uma experiência de intervenção precoce junto a crianças depois de seu nascimento: o Abecedarian Project. Cento e onze crianças americanas provenientes de meios desfavorecidos, foram divididos em dois grupos e acompanhados durante 21 anos. Dos 0 aos 5 anos de idade, todos receberam uma alimentação ótima, o suporte dos serviços sociais e cuidados com a saúde. Em contrapartida, um só grupo foi beneficiado com atividades pré-escolares, 5 dias por semana, 50 semanas por ano, sob a forma de jogos, portanto, estimulando o desenvolvimento cognitivo, social, emocional e, sobretudo, da linguagem. Resultado: aos 4 anos, 95% das crianças do grupo beneficiado atingiram valores de QI normal nesta idade contra apenas 45% do grupo controlado.
Esse efeito persistiu ao longo do tempo. Aos 15 anos, 48% do grupo sem assistência foi colocado em um curso de educação especializada, em comparação a 12% do grupo beneficiado. Aos 21 anos, os jovens beneficiados continuam apresentando pontos de QI mais altos do que os outros, como quando eram crianças. Além disso, cumpriram mais anos de estudo, conseguiram mais empregos em período integral, consomem menos drogas e sofrem menos de depressão.
Craig Ramey obteve o mesmo resultado com um projeto similar visando crianças que nasceram prematuramente. Em um universo de 985 crianças, os testes de QI aos 3 anos mostram diferença entre um grupo que recebeu estímulos especiais e outro, que apenas teve cuidados de saúde.
4. Existe ginástica para o cérebro?
Pode ser. Michael Merzenich, neurobiólogo da Universidade da Califórnia, apresenta o resultado obtido com testes do programa de ginástica cerebral que sua sociedade, Posit Science, vende ao preço de 395 dólares. São programas de computador com atividades intelectuais. Dentre 182 usuários idosos, 93% viram sua capacidade cognitiva melhorar, segundo ele.
Timothy Salthouse, professor no Laboratório de Idade e Cognição, da Universidade de Virgínia, é mais comedido a respeito. Após uma revisão de testes similares conduzidos por seu laboratório e por outros, ele conclui: “Existem poucas provas científicas para confirmar que um suplemento de atividades estimulantes modifiquem a taxa de envelhecimento do cérebro.
5. Estamos ficando cada vez mais inteligentes?Há um século, constata-se que nos países industrializados as gerações ganham três pontos de QI a cada dez anos. Essa é a conclusão de James Flynn, da Universidade de Otago (Nova Zelândia). Certos psicólogos alegam que esse fenômeno se deve à melhora da alimentação, outros, a uma elevação do nível de instrução.
Em abril de 2008, os pesquisadores Thomas W. Teasdale e David R. Owen publicaram os resultados de testes cognitivos feitos com jovens dinamarqueses por ocasião de sua incorporação no exército em 1988, 1998 e 2004. Resultado: os 25 mil recrutas de 1998 obtiveram um resultado 2 pontos superior ao dos 33 mil testados em 1988, seguindo a lógica de Flynn. Mas os 23 mil recrutas de 2004, em contraposição, atingiram um valor inferior aos de 1998, caindo para o nível de 1988.
Essa regressão foi igualmente observada nas fileiras norueguesas. Segundo Teasdale e Owen, esse recuo proviria de alterações do sistema educacional dinamarquês, que passou a ser menos dirigido à resolução de problemas lógicos e à rapidez. Eles também apontam como causa a integração de um maior número de imigrantes que - conforme mostram outros estudos - costumam obter resultados inferiores aos dos dinamarqueses natos. Mas como logo virá uma segunda geração de imigrantes igualando as condições, esse efeito sobre o efeito Flynn poderá se atenuar.
(Fonte: Revista Época)